quarta-feira, 24 de junho de 2009

Dois e cinquenta - Nona parte

Ela caminhava lentamente pelo corredor daquele ônibus. Era possível admirar, através de seu uniforme branco e velho, os desenhos formados pelos detalhes em renda de seu sutiã negro. Incrivelmente delicado; quase uma ninfa.


Caminhava com as pernas um pouco torcidas, assim como os olhos de Miguel.
 Era a timidez, que a deixava ainda mais encantadora.
 Chegou até Miguel e começou a falar tantas coisas, mas nada pôde ouvir. Naquele momento estava muito ocupado em reparar suas curvas, seus olhos e seus seios, enormes e roliços.
 
Aos poucos passou a compreender algumas palavras e quando deu por si estavam abraçados, deitados do chão frio com cheiro de moedas caídas. Ele, ela e seu sutiã negro de rendas (certo que perecia os de sua avó, mas nela tudo fica belo). 
Disse-lhe então ao pé do ouvido, com a voz um pouco trêmula e os olhos azuis escondidos por detrás das pálpebras:



-Você se contenta em me ver?


- A mim este Sol, estes prados, estas flores.

Contentam-me.

Mas, se acaso me descontentam,

O que quero é um sol mais sol 
que o Sol,

O que quero é prados mais prados 
que estes prados,

O que quero é flores mais flores 
que estas flores

- 
Tudo mais ideal do que é do mesmo modo e da mesma maneira!



E então ela beijou nosso japonês e fizeram amor durante horas e horas. Seu corpo sobre o dele, se uniam agora em um só. Sentia sua respiração, seu tremor, a batida de seu coração.

Tuntun, tuntun, tuntun.



Acordou.



Correu até o banheiro pra se banhar. Tomou seu café amargo ainda pensando no mar (ou lagoa, como já disse) azul.
 Correu para o ponto, já havia se entregado a vida de operário e pegava o ônibus religiosamente, todos os dias. Subiu envergonhado, como se a cobradora pudesse ver em seus olhos todo seu ardor masculino, então olhou fixamente pro chão.



-Tome seus dois e cinqüenta - disse em tom rude.



Ela admirou-se com tamanha rispidez e pegou o dinheiro, sem pronunciar uma só palavra.


Depois de meia dúzia de mordidas na mão (mania já citada anteriormente) resolveu olhar para sua musa, a cobradora. Virou-se decidido a convidá-la pra sair, foi quando ouviu sons saídos de sua boca para uma ruivinha sem graça e sem jeito sentada em sua frente.



Deja vu.

Ela roubara-lhe o sonho,



(e)

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