domingo, 5 de julho de 2009

Dois e cinquenta - Décima primeira parte

Rebecca lembrava-se com nitidez das palavras que rabiscara para a moça enquanto subia no ônibus naquele dia ensolarado:

¹O Mundo não se fez para pensarmos nele

(Pensar é estar doente dos olhos)

Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo.
Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...

Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,

Mas porque a amo, e amo-a por isso

Porque quem ama nunca sabe o que ama

Nem sabe por que ama, nem o que é amar.

As palavras repercutiam em sua cabeça como se estivessem escritas nas rodas dos carros, bem em frente aos olhos - nas placas, no Sol que nascia calmamente esticando seus raios pelas frestas da cidade, nas pessoas que corriam apressadas. Mas porque a amo, e amo-a por isso. As palavras do poema passavam diante de seus olhos arrastadas pelo vento e se enroscavam em seus cabelos vermelhos, davam aos ouvidos um outro tom. Nem o que é amar. Todas as notas, estranhamente, estavam uma oitava acima para Rebecca.

O homem oriental encontrava-se exatamente à sua frente enquanto caminhavam em direção ao centro do ônibus. Ela sabia que para ele, tanto quanto para si mesma, aquele centro significava muito mais do que uma simples catraca. Observando-o, de costas, sentiu um certo apego pelo sentimento compartilhado dos dois. Talvez ambos sofressem pelas mesmas longas horas, talvez ele sentisse, também, aquele frio e medo da impossibilidade de um amor tão imenso - uma dor quase física. Os cabelos dele atraíram a menina por alguns segundos - lisos, macios, mal cortados e um pouco grandes demais. Pegou-se pensando em sentir sua maciez nas mãos. Estranhou o sentimento repentino, mas esqueceu-se de olhar para Cora por algum tempo. Em vez disso, observou aquele corpo bem vestido à sua frente. Enfiado naquele terno tradicional, de corte perfeito, costura finíssima, encontrava-se um homem bonito. Há tempos Rebecca não prestava atenção em um homem. Ele estava com um All Star de couro preto naquele dia. Ela se sentiu em casa por este fato. As mãos dele eram lindas. Se havia uma coisa que a menina reparava nos homens eram as mãos e as de Miguel eram perfeitas - grandes, muito masculinas, com calos e as unhas mal cortadas. Se distraiu quando as mãos que tanto olhava deixaram o ferro do banco em que se seguravam para entregar uma nota azul para Cora. Viu, com apertos descompassados no coração, os dois trocando olhares, moedas, notas e um bilhete amassado.

Ficou olhando para a cobradora enquanto ele ia se sentar. Eu te fiz um bilhete, não ele. Franziu o cenho e quis dar-lhe uma bronca, mas Cora desviou o olhar. Com raiva, fingiu não se importar. Passou os olhos pelo ônibus a procura de Miguel. Ele estava sentado, com suas mãos de homem tão atraentes em um banco de duas pessoas, sozinho, na janela, no fundo do ônibus. Fingia se concentrar em um livro, mas olhava para a mulher com frequencia. Rebecca riu. O que é que essa mulher tem, meu Deus?

Não teve dúvida - sentou do lado dele e disse, contente:
- Oi, meu nome é Rebecca.

Ele virou a cabeça devagar e disse um oi estranho, como se dissesse: Por que raios você está falando comigo? Mas a menina não parou, quis interessá-lo, distrai-lo. Internamente pensava: vem comigo, vamos nos esquecer dela. ²Who needs love at all? Nestes 40 minutos, Rebecca se surpreendeu com sua própria capacidade de ser sociável. Conseguiu arrancar dele alguns sorrisos que pareceram muito sinceros. Disse tchau com um beijo no rosto e sentiu de perto o cheiro dos negros cabelos lisos.

Ao encontrar Gabriel na escola, o beijou com gosto e o convidou para ir até a sua casa à tarde. Ele pareceu surpreso, mas, obviamente aceitou o convite. Depois, passou a aula toda balançando as pernas, apertando o botãozinho da caneta, sem prestar atenção em nada. Rebecca só achava engraçado. Esses meninos... No intervalo, ele não deu atenção ao grupo de meninas exibidas e efusivas que se fez em volta dele. Elas falavam muito e ele respondia monossilabicamente. Desviava o olhar delas se jogando em cima dele para olhar Rebecca, sempre. Ela, só achava engaçado. Quando a aula acabou, ele parecia prestes a explodir. Os dois deram as mãos e não se falaram, o silêncio pairava de forma incômoda para ele, engraçada para ela. Ela ria do silêncio e do nervosismo. O que a fazia nervosa estava longe dali, ela nem sabia onde e não se importava porque não era de manhã. Enquanto caminhavam para casa em silêncio, ela só pensava na cobradora e em suas carnes sobressalentes tão dignas de admiração. Minto, ela pensava também em Miguel e no notório impressionante volume em suas calças sociais. Precisava tanto descarregar essas forças que sentia tão intensamente... Precisava muito, queria gritar e sentir na pele o prazer que sentia em segredo na alma.

Quando entraram no quarto, ela o beijou ao mesmo tempo que deixou aos mãos explorarem locais desconhecidos do corpo dele. Gabriel estava paralisado, os músculos do corpo todo tão duros quanto seu pênis. Ela desabotoou as calças dele e o empurrou em cima da cama. Tirou a camiseta enquanto o moleque a olhava, com os olhos arregalados.

- Lembra que eu disse que faríamos quando eu estivesse pronta?
- Ahn... É... Aham. Lembro, lembro.
- Eu estou pronta.

Ela se deitou em cima do menino e fechou os olhos. Gabriel foi se acalmando, aos poucos. Apertou os cabelos dele nas mãos sentindo a maciez dos de Miguel e viu o céu e o mar, misturados loucamente num azul maravilhoso, presos dentro de olhos orientais. Gritou o mais alto que pôde. Sentia-se dentro da história. Sentia a história dentro dela. De olhos fechados, Rebecca pôde ver tudo o que quis,

¹ Alberto Caeiro - O Guardador de Rebanhos

² Amanda Palmer - Leeds United

(c)

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