quarta-feira, 15 de julho de 2009

Dois e cinquenta - Décima segunda parte

Miguel não tinha grandes sonhos ou ambições. Crescera sozinho, sendo chamado de nerd, por mais que tirasse notas medianas. Aliás, se tinha algo que o perseguia era a mediocridade. 
Tudo era pela metade na vida dele. Era meio alto e meio baixo. Olhos meio abertos e meio fechados. Meio português e meio japonês. Odiava até mesmo os médiuns, os queijos meia-cura, as pessoas mais ou menos, os dias meio chuvosos. Gostava do amor, isso sim gostava. 
Mas como já disse ele não costumava muito vê-lo por ai.
 Gostava também de quem transparecia esse sentimento, como aquele menina dos cabelos de fogo que olhava naquele dia olhava incessantemente para seus cabelos (os únicos inteiros nele, completamente lisos e sedosos). Mas ele novamente estava na metade. Não daria para ter os cabelos de fogo com o mar azul como no sonho da noite passada?



Eis o sonho:



Fitava com certo ardor e frio na barriga seu rio-lago-mar azul. E ela, junto com ele, mordia a mão em pensamento. Como se conversassem por telepatia, transmissão de pensamento. 
Enquanto isso sua menina-fogo recitava incessantemente poemas de Fernando Pessoa. Ambas vinham em sua direção naquele corredor de ônibus. Agora eram as duas com sutiã de renda preta,como o do sonho passado. Tão próximas era possível sentir o cheiro de libido que exalava daqueles corpos.


O Fogo agora escrevia doces palavras no corpo do Mar, descobrindo pernas, braços, seios, colo e soltando palavras em sua boca, que depois partia em busca de descobertas no nosso japonêsportuguês, chegando a lugares já esquecidos à algum tempo.


Nunca, em lugar algum, se vira tanto deseja e a combinação Fogo e Mar nunca fora tão perfeita e completa. Nenhum tornava o outro impotente, mas se fortificavam. Deixavam de ser meio e passavam ao inteiro que inteiramente se entregava à Miguel. 



Agora, acordado, na mesma poltrona que sacoleja, ele via Fogo e Mar. Se afogava e ardia.

 Sentia-se queimar aos poucos. A roda de fogo se fechava. 
Já falara certa vez sobre poesias com Mar. E agora se cedia a tal com Fogo.
 Os cabelos escorriam pelo seus ombros como se fossem sangue e seus lábios acompanhavam perfeitamente seu tom. Os seus olhos ele sabia serem da mesma cobradora dona dos seus. Mas pouco importava.



Mas voltando aos poemas, com ela conversara sobre outros, afinal, vai saber se elas não se comunicariam por pensamento ,assim como ele com a sua cobradora em seu sonho.
 Mas também não se lembra de muitas palavras e o barulho da cidade era ensurdecedor aquele dia. Se lembra muito bem somente daquele barulho, parecido com o de fogueira....saia do coração daquela menina.



¹A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana.


A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo,
o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro.



O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se,
 o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. 

Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.




Ele renascia para o amor do doloroso encontro do fogo e da água. O ardor e o frescor,

¹ Vinicius de Moraes

(e)

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