terça-feira, 21 de julho de 2009

Dois e cinquenta - Décima terceira parte

cora não se cabia mais dentro de si mesma. os dias se arrastavam, feito um rio que corre e nunca desvia de seu curso. sua alma se agitava, em timbres desesperados. ver a menina, seus cabelos vermelhos que esvoaçavam enquanto andava, ir falar com seu amor de olhos orientais havia lhe matado. foi feito choque de dois mundos, que deveriam ser sempre inseparáveis. quiser ser ela como água, ele como óleo. sabia que isto era obra dela. uma provocação sutil, por aquela preça que o destino lhe pregara. o bilhete ir parar em mãos erradas - e não menos queridas - bastaria para que ela tornasse todas as suas concepções celestiais em inferno. via já os dois, juntos, a rir-se dela. e quando para que julgasse que eles a queriam - ou pelo menos seus olhos diziam isso - agora se desfaziam dela, se querendo a si próprios, e isso suprimia o desejo que tinham por ela. pois não era esse desejo, se mesmo existisse, apenas invencionice da cabeça ociosa? por que sentiriam tanto por ela? não tinha nada a oferecer, passava o dia sentada, contando dinheiro, distribuindo uns sorrisos falsos. era certo que era bonita, talvez fosse, os homens sempre disseram isso a ela, mas que beleza não é tudo. e o que tinha mais ela? a menina era estudada, sabia de muitas coisas do mundo, e ele! nem se fala. ele já trabalhava, entendia mais de poesia que ela - mesmo sem gostar (e isso doía ainda no seu ego); seriam perfeitamente um casal. um casal como quiseram os outros, todos os outros, o mundo lhes aprovaria. mas ela, com um ou outro, não cheiraria bem. sentia-se feito uma confusão, feito centelha de coisa errada, que desse a entrar na vida calma das pessoas. e assim, chorava, escondida, molhava o travesseiro, sentia as lágrimas chegando ao ver os dois subindo no ônibus. sentir-se o que atrapalha, como o que meio sendo bruxa de conto de fada, era muito para si. sempre foi tão estimada! agora era só escuro que se esmorecia. ah, mas não. não devia de ser assim. não podia ser assim!


aquela menina, de cabelos vermelhos, aquela menina é que mais se aconchegava na sua mente, ia recostando à sua alma, fazendo-se sentir em seu corpo. como que a gente preferisse pelo que há mais de errado: pois era menina, era mais nova, e era um inferno. provocava cora, fazia a sentir assim, trocada de papéis, inferno ela mesma, mas o diabo era aqueles cabelos vermelhos, aqueles olhos desejosos. ela não podia inverter assim os papéis! a verdade era que queria-a mais que nunca. como se querê-la bastasse para matá-la. bastasse para se reafirmar como coisa que vale muito, que vale ser amada. necessitava que a amassem. pensava muito em seu corpo delgado, tentava lembrar-se de seu cheiro, demorava-se em seus olhos. o sonho a consumia.


queria falar. ia falar. não ia deixar que a atração que ela exercia na menina morresse, e fosse debandar por outros cantos, principalmente aquele canto, aquele canto de olho puxado. e depois que matasse a sua sede dela, partiria para ele. sim. separados assim, daria um jeito de fazer os dois se odiarem. e ela não perderia nenhum. ela ia ter para si o que merecia. afinal, que Deus é esse que a bota como cobradora, como pobre, e não dá nem direito de amar? de amar, todas as criaturas tem poder. e de amar, dois, um, três, quanto lhe cabesse no coração. quanto lhe coubesse no desejo.



viu a menina, os cabelos vermelhos, a camiseta apertada. a curva da sua cintura, as pernas compridas que tinham um passo rápido e decidido. os cabelos, ai, cabelos, as curvas no alto, vermelhos, ai, vermelho feito desejo, feito o sangue que corria depressa na veia. veio vindo, como sempre. olhava com menos ardor para cora, agora. ela sentia. não tinha certeza mas sentia. passou pela catraca. atrás vinha muita gente, não podia lhe falar com aquela gente toda atrás.


- ei... espera um pouco, aqui? quero falar...

a menina espantou-se um pouco. não quis ver toda sua reação. tinha que receber dinheiro, liberar catraca para aquela gente, feito bois, rebanho, cheio de sono, cheio de tédio, cheio de ódio. as pessoas cada vez mais minavam sua coragem de falar aquelas besteiras à ela. tão bem ensaiadas. a última pessoa passou, tão desconhecida como todas as outras. rostos que não significavam nada. tinha medo de olhar para o rosto que significava-lhe tudo.

- bem... é que...


perdera o começo, perdera a fala. o coração bombeava, sentia as mãos suadas. a boca abriu, a fala não veio. não devia se mostrar tão nervosa. era uns cinco anos mais velha que ela, talvez menos, talvez mais. deveria ser adulta, deveria ser perversa. como ela fora. deveria falar.


- é que... já disse como você se parece com uma prima minha?


a menina sorriu. um sorriso doce. aquele sorriso tranquilizou, um pouco, seus batimentos, seu nervosismo, o estranhamento da própria voz.


- não, pareço como?

- não a aparência, claro. ela é negra, e é mais alta, talvez seja, e tem um cabelo todo louco, sabe? mas me parece em outra coisa.

- que coisa?

- não sei, acho que são os olhos.


os olhos da prima eram cheio de ternuras. o dela, eram inferalmente cheio de desejos. embora ternura e desejo sejam a mesma coisa, no fim. não era certo mentir assim, mas não conseguia dizer a verdade. lembrava a prima no que ela a fazia sentir.


- os olhos, como, de serem pretos?

- não, o jeito de olhar. e o meu jeito de retribuir.


corou-se toda. que ironia, cora corada. você que odiava esse nome! talvez fosse bem feito receber ele.


ela sorriu mais, se era possível. sorriu com os olhos, a boca, o nariz, o corpo todo. trazia certo triunfo nisto.


- olha... você quer me ver mais tarde? posso falar mais da minha prima.


riu, nervosa. pareceu boba, criança. tinha que contar suas verdadeiras intenções. seria agora, agora, já. e continuou em seguida:


- que besteira, não é? mas é que eu ando pensando muito em você... e rezado para que pensasse em mim também. se bem que Deus, se for como as pessoas dizem, não irá muito me ajudar neste caso, eu, você. mas bem, pode ser que tudo seja fruto da minha imaginação. pensar que você aceitasse, convite de cobradora, assim. que bobeira.


desta vez foi sua vez de sorrir, para descontrair. sentia as mãos molhadas, a vista até turva, de tão nervosa que estava. seu estômago se retorcia, dando nós em si mesmo, não aguentava mais assim sentir-se.
a menina abriu a boca para falar. não conseguia destinguir as reações dela, tal era a confusão que tinha dentro de si. antes de deixar ela falar, resolveu desembuchar, como com medo de sair não daquela boca tão bonita.


- olha, estou tão nervosa... pega nas minhas mãos, vê como estão suadas,





(m)

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